sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Devaneio

Nessa altura do campeonato, eis que me recordo da existência de um caderno confeccionado por meu irmão e me dado de presente na ocasião de meu aniversário... Meu irmão, pretendente a artista plástico (tal como sou a arquiteto-urbanista), logo escreveu os seguintes dizeres em máquina de escrever na primeira página: "é terminantemente proibído o uso de quaisquer materiais de precisão nas páginas a seguir" e cada página do caderno que ele fez era de uma textura diferente, de uma cor diferente... Talvez esse tenha sido um dos presentes mais elaborados que já recebi. E talvez hoje concordo que seja o mais útil...
Num momento da minha vida em que me é exigida uma precisão oriental em meus traços, em que meus croquis estão se tornando cada vez mais racionais e minhas linhas livres estão se tornando retas... um apelo de "desencane!" se mostra.
O gosto pelo desenho e a utilização do mesmo como instrumento de trabalho anda complicando meus pensamentos, meu desenho livre já se faz bem raro...
Como se portar diante disso? Deixar seguir os traços que caminharão na minha carreira profissional e que me ajudarão a crescer profissionalmente aos olhos alheios correndo o risco de não mais ter o desenho solto e desempedido que tinha antes com linhas cabeludas e formas curvas e tortas mas que me proporcionavam momentos de lazer muito mais prolongados do que hoje.
Ao entrar na faculdade eu logo me posicionei bastante cético diante das formalidades arquitetônicas: gosto de formas curvas, abomino a simetria, gosto do organico, do abstrato.
Bastaram dois anos para esses paradigmas cairem por terra: hoje em dia acho extremamente refinadas as formas simples modernas, as formas rígidas mas ao mesmo tempo utilizáveis de forma orgânica... O paisagismo nascendo dentro da forma reta mas tomando suas próprias curvas diante do tempo...
Ambas as idéias têm sua beleza: a de criar um espaço orgânico à la Valfenda do Senhor dos Anéis e a de se utilizar um espaço racional como Brasília é incomodantemente contraditório e lindo ao mesmo tempo. Deixar fluir livremente ou fazer com que os fluidos corram através dos canos que você quis.
Modernismo brinca um pouco de Deus nessas horas: as pessoas farão o que eu quero que façam, irão onde eu quero que elas vão na hora que eu quero. Issó é terrível e foi criticado quando chegou às últimas conseqüências (do que foi exposto na aula do Fritz e que eu não dei importÂncia necessária ao ponto de guardar o nome mas se tratava) de um arquiteto decidir tudo num determinado espaço projetado: desde o formato da casa, sua decoração toda, os móveis e até A ROUPA DOS MORADORES QUE IRIAM UTILIZAR AQUELA CASA. Puro absurdo.
Não quero chegar a esse ponto, acho que nenhum arquiteto em sã consciência quer algo assim, não somos deuses, nós ajudamos a concretizar o sonho dos nossos clientes com a nossa linguagem gráfica. A necessidade deles toma forma na nossa mão e nós sabemos como saciar cada vontade, criar espaços é a nossa especialidade, e é isso que encanta a profissão.
Nos comparar com profissionais peritos em estruturas é irracional, profissionais que não têm a manha de criar os pespaços pensando nas pessoas que irão utilizar os mesmos com conforto e acesso pleno roubarem nossas áreas de trabalho é absurdo.
Interior paulista não sabe distinguir arquiteto de engenheiro civil. Isso é um fato. Quase ninguem consegue nessa região definir o que realmente um arquiteto faz, o pintam como decorador e acham que estão certos - e ter uma revista chamada Arquitetura e Construção onde só se mostra decoração de interiores é broxante.
Devaneei.

A todos os que leram o post...
Muchas Gracias :D

2 comentários:

chuta (dica: é só imaginar alguém falando tudo isso) disse...

Não apenas o interior de São Paulo!
Todo o Brasil, praticamente, mesmo as cidades agraciadas com grandes e marcantes obras arquitetônicas, dentre elas, nossa vizinha, Jahuuu!
É que a arquitetura é uma profissão muito completa, repleta de "não-me-toques" e histórias ocultas!
Porém as fofocas arquitetônicas são as mais chiques e célebres porque não?! Envolvem um caráter monumental, que mesmo na escala humana, ainda é maior que nós, é onde nossa vida se desenrola..
Tenso isso! Mas o bom de se fazer arquitetura é essa discussão que o simples exercer da profissão nos proporciona!

Anônimo disse...

"*complexa, repleta de ..."